quinta-feira, 7 de abril de 2016

APÓS 6 MESES DE NAUFRÁGIO, NAVIO HAIDAR E BOIS AINDA ESTÃO SUBMERSOS NO PA.

Seis meses após a tragédia ambiental ocorrida com o naufrágio do navio Haidar, que afundou com cinco mil bois vivos no porto de Vila do Conde, em Barcarena, nordeste do Pará, moradores do município ainda sofrem com os impactos. As carcaças de animais continuam submersas e o óleo vazou da embarcação, espalhando-se pelas praias da região.
O navio, que estava a caminho da Venezuela, naufragou no dia 6 de outubro de 2015, com quase 700 toneladas de óleo e cerca de cinco mil bois vivos. Após o incidente, três praias de Vila do Conde, o píer onde ocorreu o naufrágio e a praia de Beja, em Abaetetuba, foram interditados e proibidos para qualquer tipo de atividade.
De acordo com ação do Ministério Público Federal (MPF), o dano socioambiental para os moradores dos municípios de Barcarena e Abaetetuba soma R$ 71 milhões em indenizações que ainda não foram pagas.
O navio continua submerso no local do acidente e, após seis meses de indefinição sobre a retirada, a Capitania dos Portos informou que os responsáveis pela embarcação já escolheram uma empresa para realizar a remoção. O serviço tem uma previsão de duração de 144 dias a partir da assinatura do contrato entre as partes.
São réus na ação os donos do Haidar, Husei Sleiman e Tamara Shiping, a proprietária da carga de bois vivos, Minerva S.A, as responsáveis pelo embarque dos bois, Global Agência Máritima e Norte Trading Operadora Portuária, além da Companhia Docas do Pará (CDP), responsável pelo porto de Vila do Conde, que segue interditado e acarreta um prejuízo milionário ao setor de exportação do Pará.

Em entrevista, o presidente da CDP, Parsifal Pontes, apresentou uma justificativa para a demora na retirada do navio: "No momento em que a primeira empresa foi escolhida, começou a elaborar um plano de salvatagem e o plano que foi apresentado não foi aprovado, principalmente pela CDP, porque a empresa previa que haveria cortes no navio, que deveria ser retirado em pedaços, e isso não poderia ser aprovado porque a Marinha não aprovaria. Então, tivemos que retornar as negociações e outra empresa foi escolhida para apresentar um plano de flutuação, e este foi apresentado há cerca de 20 dias e já estamos fazendo as últimas tratativas para assinar o contrato com esta empresa. A retirada do navio vai depender do início dos trabalhos de salvagem; o cronograma deles diz que a partir do início dos trabalhos, deve levar cerca de 90 a 180 dias para efetivamente limpar a área", afirmou.
Já a Minerva S.A. disse que, após a entrega da carga ao armador, toda a responsabilidade passa a ser da empresa contratada para o transporte fluvial e marítimo, desta forma, a empresa não é a responsável pelo resgate do navio que naufragou no porto de Vila do Conde. A Minerva disse ainda que apesar de ser prejudicada pelo acidente, mantém uma equipe no local com objetivo de auxiliar as autoridades em todas as medidas necessárias.
A reportagem tentou contato com a Global Agência Marítima e a Norte Trading, mas não obteve retorno.
Comunidades atingidas
A pescadora Maria Madalena lamenta os efeitos do acidente e da contaminação dos rios para a pesca, principal atividade da comunidade ribeirinha do igarapé Dendê, onde ela é moradora. " Antes do acidente, nós pegávamos 4kg ou 5kg de camarão por dia, agora nós não pegamos quase nada, dá certo para a merenda das crianças. Só para o sustento mesmo", afirma Maria.
Segundo Raimunda Pacheco, integrante da associação de pescadores, as promessas feitas por órgãos públicos não foram cumpridas. "Da baía para fora ainda tem peixes, mas não temos embarcações grandes. Onde nós pescávamos, aqui perto, era a sobrevivência para nós, para as famílias daqui. E cadê a assistência que eles (órgãos públicos) estão dando? Uma cesta básica com alimento vencido?", questiona Raimunda.
De acordo com a pescadora, em março, ela afirma ter recebido um pacote de arroz com a validade vencida no mês de fevereiro de 2016. Em nota, a Prefeitura de Barcarena informou que desconhece a doação de alimentos fora do prazo de validade para a comunidade, mas vai apurar denúncias dos moradores.
Praia de óleo
A comerciante Cezarina Leal também relatou dificuldades enfrentadas pelos comércios localizados às margens da praia do Conde, como dívidas e aluguéis atrasados. "A gente vendia 20 ou 30 refeições, muita comida, hoje não vendo duas ou três refeições em um final de semana", afirma a proprietária. Segundo ela, ainda é possível encontrar manchas de óleo na praia e resíduos das carcaças de boi pela praia, e a indefinição sobre a liberação das praias afasta os possíveis clientes.
As lideranças comunitárias contabilizam cerca de cinco mil pessoas atingidas diretamente pelo crime ambiental. Rosemiro Brito, líder comunitário, relata que praias ainda estão manchadas de óleo. “Vez ou outra solta uma bolha de óleo do fundo do rio. As praias estão liberadas com exceção de uma, mas acreditamos que não existe balneabilidade, e a prova é que o movimento nas barracas caiu em mais de 90%”.
Segundo a prefeitura de Barcarena, a praia do Conde já está liberada para banho após análises do Lacen. O laboratório informou que uma diminuição da quantidade de óleo foi observada na área atingida, mas um parecer final com os resultados das análises ainda está em andamento.
“É um descaso muito grande com a população, que fica sem informação alguma. Estamos desprezados e esquecidos pelo poder público”, desabafa Rosemiro. “De imediato, precisamos de saúde. Desde que tudo aconteceu, é comum pessoas apresentarem problemas respiratórios, coceiras pelo corpo”, diz.
Um homem caminha ao lado de carcaças de bois na praia do Conde em Barcarena, no Pará. Na última terça-feira (6), uma transportadora de gado carregado com cerca de 5 mil animais naufragou no porto da Vila do Conde, em Barcarena (Foto: Tarso Sarraf/Reuters)
Carcaças de bois se espalharam por rios e praias da região após naufrágio. (Foto: Tarso Sarraf/Reuters)
Contaminação
A Prefeitura de Barcarena informou que entrou na Justiça em fevereiro com uma ação civil pública, pedindo às empresas indenização no valor de R$ 68 milhões por dano coletivo e material, mas nenhum valor foi recebido.
A rotina da dona de casa Antônia Pantoja, que mora a menos de 50 metros da praia do Conde, foi afetada. "De manhã cedo, você não consegue escovar os dentes porque ela (a água) vem com um odor muito forte", diz a moradora, afirmando que consumia água da torneira até o período do naufrágio, mas sofreu problemas de saúde e passou a consumir apenas água mineral.
A Secretaria de Saúde do Estado do Pará (Sespa) informou que as análises do Laboratório Central do Estado (Lacen) nos poços de Vila do Conde indicaram contaminação por coliformes em algumas residências. No entanto, a última análise feita na região ocorreu no dia 17 de dezembro.
Para Paula Petrusca, engenheira química que acompanha o caso e auxilia as comunidades afetadas, a falta de estudos para avaliar os impactos do naufrágio e buscar soluções efetivas demonstra descaso com as famílias carentes, vítimas diretas do incidente.
“Levou um mês para retirar o óleo do navio, mas fotos recentes comprovam que há vazamento. A putrefação desses materiais contamina toda a cadeia, a água, os peixes, e não temos análises de nada. A situação real é um mistério”, critica Paula.
Segundo o MPF, foram registrados 113 atendimentos médicos de moradores com sintomas causados pelos odores. Com as águas poluídas, e já sem a doação de água mineral por parte do poder público, moradores bebem água de poço, por vezes com forte mau cheiro. A água é tratada com cloro na intenção de torná-la própria para o consumo, segundo Rony Soares, líder comunitário de Barcarena.
“Eles também vendem esse pescado e isso se torna uma reação em cadeia. Toda a comunidade come, e é obvio que não serve para consumo. A gente sabe que isso tem ocasionado doenças, mas não sou médico para dizer o que realmente tem acarretado. Temos casos de câncer, problemas digestivos”, relata Rony.
Mancha Óleo Barcarena Naufrágio Bois Morrem (Foto: Reprodução/TV Liberal)
Dano milionário
A ação civil pública do MPF foi ajuizada em dezembro de 2015, pedindo, além do pagamento, que as empresas envolvidas no caso apresentassem, dentro de 48h, uma solução definitiva para a retirada das carcaças. Imediatamente, a ação judicial pede que continue assegurado o fornecimento de água potável, cestas básicas e salários mínimos aos atingidos. Para arcar com os prejuízos, foi solicitado ainda o bloqueie contas e bens das empresas brasileiras responsáveis pelo naufrágio.
Apesar da urgência para reduzir os danos provocados pelo desastre, a audiência sobre o caso só foi agendada para meados de abril, de acordo com o MPF. A ação também enumera laudos do Instituto Evandro Chagas que comprovam a contaminação das águas do rio Pará, e recomendam que se evite até o contato com as águas da região, por não ser seguro tomar banho no rio.
Quatro dias após o incidente, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) estipulou multa diária de R$ 1 milhão caso as empresas envolvidas no naufrágio não cumpram as exigências para conter o impacto ambiental provocado pelo incidente. No entanto, as determinações foram ignoradas. As empresas não entregaram os Plano de Ação e Plano de Contingenciamento.
A respeito das sanções punitivas, segundo a Semas, as empresas estão legalmente no prazo para sua defesa, e por isso, a multa não foi cumprida.
Exportação em queda
Com as exportações de bois vivos suspensas no porto de Vila do Conde, o impacto na economia é expressivo. Há cerca de dois anos, o boi vivo do Pará conquistou mercados importantes no Oriente Médio. O estado se tornou o 3º maior exportador de boi vivo do Brasil, mas as exportações já caíram duas posições após o bloqueio do porto.
Segundo Adriano Caruso, presidente da Associação dos Exportadores de Bovinos e Bubalinos do Estado AEBBE), o prejuízo de uma das empresas chega a R$ 30 milhões. “A empresa teve que parar o embarque, o contrato foi cancelado, teve que revender o boi, arcar com o custo. 70% dos funcionários foram demitidos, porque não há operação com o porto parado”.
A AEBBE trabalha no levantamento dos prejuízos financeiros sofridos pela associação para acionar a justiça e pedir ressarcimento. “Como pode seis meses depois e nada ter sido feito? O que há é uma negligência e uma irresponsabilidade. É preciso que os culpados sejam severamente responsabilizados. Mas empresas envolvidas estão exportando em outros lugares, e dane-se o Pará", diz.
Fonte: Do G1 PA/Gil Sóter e Alexandre Yuri

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