A Vale terá pela frente dois anos difíceis em 2016 e em 2017. Precisará enfrentar, como acionista, as consequências do caso Samarco, empresa cujo controle divide com a anglo-australiana BHP Billiton. E terá de estar preparada para fazer frente a um mercado cujos preços do minério de ferro se deterioram a cada dia, atingindo cotações abaixo de US$ 40 por tonelada. É um cenário de incertezas para a empresa, que deixa os investidores apreensivos. Esse ambiente adverso se reflete no valor das ações da companhia: só ontem a ação preferencial da Vale na BM&F Bovespa caiu 5,28%, cotada a R$ 9,32, e no ano acumula perda de 48,68%.
Enquanto isso, o mercado projeta que em um ambiente de preços ainda mais deprimidos o balanço financeiro da Vale possa se deteriorar, com perdas de receitas e aumento dos indicadores de endividamento. A dívida só deve começar a ser reduzida a partir de 2017. Soma-se a isso o desastre da Samarco. Nas contas de analistas, a Vale deve deixar de receber da controlada mais de US$ 800 milhões em dividendos em 2016 e em 2017. Entre investidores, há ainda o receio de que Vale e BHP possam ser chamadas a responder solidariamente na hipótese de credores dos bônus emitidos pela Samarco declararem o vencimento antecipado da dívida por descumprimento de cláusulas contratuais (covenants). Do ponto de vista formal (legal), a solidariedade de Vale e BHP na dívida da Samarco não existe, disse uma fonte. Mas o tema pode dar espaço a interpretações.
O diretor-executivo de finanças e de relações com investidores da Vale, Luciano Siani Pires, disse ontem ao Valor que o não recebimento de dividendos da Samarco por alguns anos pode ser considerado um "cenário prudente". Avaliou, porém, que a conta de US$ 800 milhões em dividendos que não serão pagos está "superestimada" porque a mineradora, cuja barragem se rompeu em Mariana (MG) em 5 de novembro, entraria em processo de redução da dívida, após concluir um grande investimento em expansão, privilegiando o pagamento aos credores e reduzindo os dividendos.
Ontem, em um dia marcado por quedas das ações de mineração e siderurgia na bolsa e por notícias de ajustes em empresas do setor no exterior, Siani reafirmou a ideia de que a Vale vem fazendo reformas estruturais há alguns anos. "Não precisamos fazer anúncios mirabolantes", disse. Afirmou que o plano da Vale é chegar a 2018 sendo o produtor de mais baixo custo de minério de ferro colocado na China. "Hoje, já somos o produtor de mais baixo custo, junto com os australianos, em Carajás [Pará] e em parte do sistema Sudeste [em Minas Gerais]. Mas temos desvantagem no sistema sul [também em Minas], onde precisamos fazer reformas estruturais", admitiu.
Ele negou que seja possível fazer um acordo entre as grandes mineradoras mundiais (Vale, BHP e Rio Tinto) para reduzir a produção, permitindo assim um maior equilíbrio entre oferta e demanda de minério de ferro e, por consequência, uma recuperação nos preços. "Não é possível [o acordo], porque é ilegal. Cortes, se houver, precisam ser voluntários e cada um fazendo seus próprios cálculos. Mas, por outro lado, já se vê restrição voluntária [de produção]", disse Siani. Ontem, as ações de BHP Billiton caíram 5,54% e da Rio Tinto, 8,37%, enquanto as ações da Anglo American perderam 12,29%.
Na semana passada, a Vale deu sinais a investidores em Nova York que continua a obter resultados com a redução de custos. O custo do minério de ferro entregue na China caiu para US$ 32,3 por tonelada em outubro, quase US$ 2 a menos por tonelada do que os US$ 34,2 por tonelada registrados no terceiro trimestre. Em relatório divulgado após o encontro em Nova York, o Credit Suisse afirmou que para 2016 a Vale está mirando uma redução adicional entre US$ 4 e US$ 5 por tonelada no custo do minério de ferro. A Vale mostrou ainda que o custo de produção do minério de ferro entregue na China vai cair para US$ 25,3 por tonelada em 2018, quando o projeto S11D, em Carajás (PA), estiver em pleno funcionamento. Esse custo é quase US$ 9 por tonelada menor se comparado com os mesmos US$ 34,2 por tonelada do terceiro trimestre de 2015. O Itaú BBA indicou em relatório que os custos de produção do minério da Vale já colocado na China possam se estabilizar em US$ 30 por tonelada.
Antes de chegar a 2018 a Vale precisará construir uma "ponte", nas palavras de Siani, para atravessar 2016. Essa "ponte" será a venda de ativos em uma estratégia que já foi bem sucedida em 2014 e em 2015, anos em que se duvidava da capacidade da empresa de fechar o caixa. Para 2016, a Vale vai precisar vender ativos para cobrir um fluxo de caixa livre negativo frente a investimentos que vão somar US$ 6,2 bilhões. Nesse ambiente, o mercado aposta que a empresa deixará de pagar dividendos em 2016. "A Vale não fez anúncio de suspensão de dividendos, mas nos colocamos em posição de fazê-lo se preciso for", afirmou Siani.
Ele não quis avançar na análise da ação civil pública de R$ 20 bilhões ajuizada pela Advocacia Geral da União (AGU), tendo Samarco, Vale e BHP como réus. É possível que a Vale venha a discutir o valor da ação, calculada com base em um percentual de 20% do faturamento da Samarco ao longo de dez anos, apostam fontes no mercado.
A Vale entende que ainda não está claro juridicamente qual será a responsabilidade dos sócios da Samarco e, portanto, prefere não fazer previsões. Mesmo assim, indicou em Nova York que a Samarco terá impacto financeiro de US$ 543 milhões na Vale devido à perda de produção na mina de Fábrica Nova, da empresa, afetada pelo desastre na barragem da Samarco.
Fonte: Valor Econômico/Francisco Góes | Do Rio
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