terça-feira, 15 de dezembro de 2015

RESPONSABILIDADE DE MEMBROS DE JOINT VENTURES NO DESASTRE DE MARIANA.

O recente e terrível acidente de Mariana colocou em evidência a Samarco, que é uma joint venture entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, em que cada uma tem participação de 50%. Como a Samarco é uma sociedade com personalidade jurídica própria, a Vale já declarou não ter responsabilidade pelo fato, alegando ser mera acionista. Entretanto, será que é tão simples afastar, de plano, a responsabilidade das acionistas pelo dano ambiental?
Para responder a pergunta, é necessário entender que a joint venture é uma associação que possibilita aos participantes exercer uma atividade empresarial em conjunto, mantendo cada qual a autonomia e a independência jurídica. Trata-se, portanto, de uma parceria entre agentes econômicos, que pode ser operacionalizada ou não pela criação de uma nova pessoa jurídica. Daí se falar em joint ventures contratuais, nas quais não há a criação de uma pessoa jurídica própria para exercer a empresa comum, e em joint ventures societárias, nas quais há a criação de uma pessoa jurídica própria para exercer a empresa comum, de que é exemplo a Samarco.
O elemento comum a ambos os tipos de joint venture é a comunhão de interesses e a coordenação de atividades empresariais para exercer um empreendimento conjunto sob risco comum das participantes e mediante a criação de um novo centro de poder empresarial, cujo controle pode ser compartilhado ou não.
Sociedade controladora, conforme o caso, pode ser também responsável pelas obrigações das controladas
Uma das principais vantagens das joint ventures é a possibilidade de os participantes disciplinarem livremente o seu regime de responsabilidade, inclusive para o fim de afastar a solidariedade entre eles. Consequentemente, os contratantes são responsáveis, em princípio, somente pelas próprias obrigações. Já no caso das joint ventures societárias, uma vez criada uma nova pessoa jurídica para exercer a empresa comum, apenas esta responderia pelo risco da atividade e não mais as sócias ou acionistas.
Ora, não há dúvida de que esse tipo de limitação do risco e de alocação de responsabilidades tem importante função econômica e, em princípio, deve prevalecer como regra, especialmente diante de terceiros bem informados, que se relacionam com a joint venture por meio de negociação simétrica e equitativa.
A verdadeira preocupação concernente às joint ventures diz respeito à eficácia de tais limitações de responsabilidade em face de credores vulneráveis, como é o caso de trabalhadores e consumidores, e em áreas cujo foco é a tutela de relevantes direitos difusos, como ocorre com o direito da concorrência e o direito ambiental. Nessas hipóteses, uma das razões para justificar o compartilhamento de responsabilidades é o princípio de que aquele que exerce de fato o poder empresarial, independentemente das formas jurídicas pelas quais se estrutura ou se apresenta, deve arcar com as devidas responsabilidades. Somente assim pode haver equilíbrio entre poder e responsabilidade.
Sob essa perspectiva, a personalidade jurídica há muito tempo deixou de ser o principal parâmetro para a identificação do agente empresarial e, consequentemente, para a imputação das responsabilidades respectivas. A própria existência dos grupos societários - e a joint venture societária forma um grupo com suas controladoras - rompe com o paradigma da pessoa jurídica, admitindo a figura da empresa plurissocietária, formada por várias sociedades. Consequência desse fenômeno é a possibilidade de que a sociedade controladora, conforme o caso, seja responsável também pelas obrigações das controladas. Isso sem falar nas possibilidades de responsabilização direta da controladora por abuso do poder de controle ou outros ilícitos.
Há, portanto, boas razões para sustentar que o regime de responsabilidade livremente pactuado pelos participantes da joint venture pode ser afastado em algumas hipóteses, privilegiando-se a responsabilidade conjunta daqueles que exercem a empresa comum. Consequentemente, não deve ser aceito, sem maiores cuidados, o argumento de que as acionistas de uma joint venture não têm qualquer responsabilidade pelo dano ambiental causado por uma controlada, ainda mais se exercerem a função de controladoras.
Para a solução do problema, é fundamental entender a complexidade das joint ventures, suas verdadeiras funções e propósitos e como a formação do novo agente empresarial deve se refletir em regimes diferenciados de responsabilidade, como é o caso do direito ambiental. Tal exame necessariamente envolve a análise de importantes elementos do caso concreto, tais como as peculiaridades da parceria estabelecida, a capacidade patrimonial e a solvência da controlada, a titularidade e o exercício do controle, a existência ou não de abusos do poder de controle, dentre outros.
O caso da Samarco mostra claramente que, em relação às joint ventures, é imperiosa uma reflexão jurídica mais atenta, a fim de se encontrar a "justa medida" do equacionamento entre poder e responsabilidade. Por um lado, há que se possibilitar que tais arranjos continuem a exercer as importantes funções econômicas a que se destinam. Por outro, não se pode permitir que se tornem fáceis instrumentos de exercício de poder empresarial sem as devidas responsabilidades, especialmente diante de direitos difusos tão relevantes, como é o caso do meio ambiente.
Ana Frazão é professora da Faculdade de Direito da UnB e foi conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Fonte: Valor Econômico/Ana Frazão

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